2011
«As nossas relações são excelentes e a AMPA participa activamente no seu desenvolvimento»
Sua ExcelênciaJoão Rosa Lã é o Embaixador de Portugal em Marrocos, desde 2006. Nesta entrevista, reafirma a qualidade dos intercâmbios luso-marroquinos no plano económico e histórico. Estes intercâmbios estão, segundo ele, no bom caminho e são sustentados pela acção da AMPA.
O que pensa das relações bilaterais entre Portugal e Marrocos?
Do ponto de vista político, as nossas relações são excelentes. Há cerca de dez anos que organizamos encontros anuais que designamos de “cimeiras”, o equivalente ao que os marroquinos chamam de “comissão mista”. São encontros de Primeiros-ministros e de outros ministros que se realizam todos os anos. Estas Altas Comissões fazem o balanço das realizações do ano anterior, o que nos obriga a estar em contacto, a acompanhar os trabalhos sectoriais e a trocar ideias a um nível muito elevado. Graças a estes intercâmbios frequentes, as nossas relações políticas são excelentes.
As nossas relações são também de natureza histórica. Partilhamos uma história comum muito longa e bastante forte. Não é possível compreender a história de Portugal sem compreender a de Marrocos, e vice-versa. Temos um património comum. Basta ir a Portugal para ver até que ponto existem semelhanças entre os nossos dois povos.
Do ponto de vista económico, embora tenha havido avanços, ultimamente, o nível de intercâmbios é ainda bastante fraco e isso apesar das nossas excelentes relações e da proximidade dos dois países. Somos vizinhos e não existe qualquer motivo para que as nossas relações não sejam reforçadas; é isso que eu desejo. Penso também que há ainda muito a fazer para que marroquinos e portugueses se conheçam melhor. Desde o início dos anos 2000, Portugal tem sido um dos principais investidores em Marrocos, em diversos sectores de actividade. Nestes últimos anos, implementaram-se em Marrocos cerca de 130 empresas portuguesas, com um aumento de 40% dos nossos investimentos e a criação de milhares de postos de trabalho.
O que diferencia Portugal dos outros países europeus que têm relações privilegiadas com Marrocos?
Partilhamos com Marrocos a mesma região geoestratégica e, como dizia Bismarck, «os políticos podem mudar tudo, menos a geografia». Isto significa que, entre os nossos dois países, fazemos face aos mesmos riscos, desafios e oportunidades.
E depois, contrariamente a outros países europeus, Portugal não teve uma presença colonial em Marrocos. No séc. XVIII, assinámos um tratado de amizade com Marrocos e, desde então, temos excelentes relações políticas.
Quais são os pontos fortes de Marrocos? Como é que Portugal olha para o país?
Marrocos, enquanto país emergente, representa uma grande oportunidade para Portugal. Desde a minha primeira passagem por este país, nos anos 70, apercebi-me imediatamente que as nossas duas economias são complementares. As vossas necessidades eram as nossas, há cerca de 30 ou 40 anos, o que nos permite compreender melhor a vossa economia e aproveitar melhor as oportunidades. Na verdade, nós testámos um certo número de soluções a problemáticas de desenvolvimento que Marrocos conhece actualmente. Esta experiência é um ponto forte que podemos valorizar neste país.
Actualmente, o conhecimento que os portugueses têm de Marrocos decorre mais das ligações históricas que nos unem do que da realidade marroquina dos dias de hoje. Tudo isto começa a mudar, nomeadamente graças ao aumento do número de voos entre os dois países. Deveríamos também aumentar o número de marroquinos que estudam português na universidade, através do curso de Português que é actualmente leccionado em Rabat, por exemplo.
Qual é o sentimento dos portugueses estabelecidos em Marrocos?
O estabelecimento dos portugueses tem já muitos anos, nomeadamente, o dos judeus portugueses. Actualmente, contam-se entre 3000 e 4000 portugueses estabelecidos em Marrocos. Falo do que têm o seu próprio negócio ou que são quadros em multinacionais. E depois, há também os que vêm para cá apenas para trabalhar e que vão passar o fim-de-semana a Portugal, nomeadamente os que operam em Tanger. Em qualquer caso, estes portugueses que fazem a sua vida aqui, consideram Marrocos como a sua segunda pátria.
Marrocos é um destino privilegiado junto das pessoas colectivas e individuais portuguesas, nomeadamente em termos de investimento?
Nesse sentido, todos os anos participamos em diversas conferências, em Lisboa. Nessa altura, informamos os participantes sobre as oportunidades de investimento em Marrocos. Paralelamente, é também uma questão da rede que continua a tecer-se entre os diferentes intervenientes institucionais e económicos dos nossos dois países. No entanto, com a crise, tem havido um abrandamento do compromisso dos empresários portugueses em Marrocos, mas esperamos que esta situação seja ultrapassada em breve.
Quais são os sectores chave em que Portugal opera em Marrocos?
Na última cimeira de ministros, no passado mês de Junho, em Marraquexe, identificámos os sectores chave que são os tradicionais, como construção e obras públicas, saneamento de água, têxtil, pesca, indústria da saúde, papel, etc., mas também novos sectores que tentamos desenvolver. É o caso das energias renováveis, das novas tecnologias (e-learning, e-administration), da nanotecnologia, das telecomunicações, etc. Temos, nestes sectores, uma verdadeira complementaridade. Por exemplo, Portugal é precursor nas energias renováveis. Marrocos ambiciona ser também pioneiro nesta matéria. No turismo, tentamos criar ofertas comuns a desenvolver entre os nossos dois países, nomeadamente o turismo para e do Brasil. Portugal possui também know-how em matéria de formação hoteleira e turismo que poderia interessar a Marrocos. Acredito que existem realmente excelentes oportunidades no turismo, em Marrocos. Por outro lado, os acordos de comércio livre entre Marrocos e outros países árabes e com os Estados Unidos também atraem empresários portugueses.
Tem incentivado e apoiado a acção da AMPA desde a sua criação. Na sua opinião, de que forma pode a associação reforçar as relações bilaterais?
A AMPA encontra-se numa fase de consolidação. Trabalhamos para promover Marrocos como terra de investimentos. Reflectimos sobre a maneira de tornar interessante para as empresas portuguesas, estabelecidas em Marrocos, abrirem-se a outros sectores, nomeadamente através de conferências e almoços de debate, cujo objectivo é proporcionar um maior conhecimento da economia marroquina. O único inconveniente continua a ser a burocracia. Muitos portugueses não querem investir em Marrocos devido a esse problema. Paralelamente, devemos continuar a empreender acções que visem dar a conhecer Portugal, as suas empresas e os seus cidadãos.
O que pensa dos grandes empreendimentos iniciados em Marrocos?
São projectos estruturais que vão determinar o desenvolvimento da economia marroquina. É exactamente aquilo de que ela necessita para se desenvolver. Marrocos é, em si, um grande empreendimento. Tenho de sublinhar que uma das mais belas realizações de Marrocos, dos últimos anos, é o porto de Tânger Med. É um projecto fantástico que vai contribuir em grande bastante para o aumento da competitividade e força de intervenção da economia marroquina.
E sobre o seu desenvolvimento socioeconómico?
Verifico que, desde a minha primeira passagem por Marrocos, nos anos 70, o país desenvolveu-se de forma notável. Sob o novo reinado, saúdo a Iniciativa Nacional de Desenvolvimento Humano iniciada por Sua Majestade o Rei Mohammed VI. É necessário continuar a trabalhar para repartir melhor os frutos do crescimento. Tenho pena que Marrocos seja um país a duas velocidades, com o Marrocos rural, por um lado, e o Marrocos económico, por outro. É importante que o fruto do desenvolvimento seja repartido de forma igual. Mas tenho confiança no futuro deste país.
Biografia
Nascido a 6 de Dezembro de 1946, em Mira de Aire, Portugal, João Rosa Lã é diplomata de carreira. Licenciado em Finanças, no Instituto Superior de Ciências Económicas e Financeiras, inicia o seu percurso na qualidade de adido da Embaixada, em 1970, em Rabat. João Rosa Lã ocupará, em seguida, diversos postos em África, na Europa, na América do Sul. É nomeado Ministro plenipotenciário, em 1993, Conselheiro diplomático do Primeiro-ministro, em 1995, e é nomeado Embaixador, em Dezembro de 2000. Antes de iniciar as suas funções em Rabat, ocupou o posto de Embaixador em Paris (de 2004 a 2006) e em Madrid (de 2002 a 2004), Viena, Haia e Bissau. João Rosa Lã foi condecorado com a Grã-Cruz da Ordem de Mérito, de Portugal, a Grã-Cruz da Ordem de Rio Branco, do Brasil, a Grã-Cruz da Ordem de Orange e Nassau, dos Países Baixos, a Grã-Cruz da Ordem de Isabel Católica, de Espanha, Comendador da Ordem do Infante D. Henrique, Comendador da Ordem do Mérito Civil, de Espanha e Comendador da Legião de Honra, de França.